domingo, 9 de outubro de 2016

A Padaria Espiritual: entre lutas, livros e leituras

Arte da imagem por Santiago Régis
Charles Ribeiro Pinheiro - Prof. Me. e Doutorando em Letras (UFC).

 A Padaria Espiritual foi o mais original acontecimento literário ocorrido em Fortaleza, que agitou culturalmente a cidade na passagem do século XIX para o XX. Surgida nas cadeiras do Café Java, quiosque estilo Art Nouveau que ficava na Praça do Ferreira (Centro da cidade), de propriedade de Mané Cocô, concentrava jovens boêmios, artistas e literatos, que debatiam as novidades literárias da época. Desde o final da década de 1860, a capital cearense estava crescendo materialmente, devido a grande exportação de algodão para a Inglaterra.  Devido ao desejo de se modernizar e de se atualizar, houve uma intensa e difícil procura por livros, que eram comprados, emprestados, lidos e discutidos nas ruas, praças, cafés, livrarias, gabinetes de leituras, clubes e agremiações literárias. No Café Java, no final de maio de 1892, a Padaria Espiritual foi formada pelo gracejo do poeta Antônio Sales, instigado pelos seus amigos Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins, Temístocles Machado, Tibúrcio de Freitas. Os amigos de Sales queriam criar um grêmio literário para despertar o gosto pelas letras na cidade, mas o poeta não queria criar uma instituição séria e formal, como tantas outras que existiam. Sales só concordaria em organizar o grupo “só se fosse uma cousa nova, original e mesmo um tanto escandalosa, que sacudisse o nosso meio e tivesse uma repercussão lá fora”. O Programa de Instalação, redigido por Antônio Sales foi lido na primeira reunião oficial da agremiação. Publicado nos jornais da cidade, ficou conhecido e foi comentado por todo o país, por sua criatividade e irreverência. O Programa destacava várias missões para criar e estimular a literatura em nosso estado, tais como “1) Fica organizada, nesta cidade de Fortaleza, capital da "Terra da Luz", antigo Siará Grande, uma sociedade de rapazes de Letras e Artes, denominada Padaria Espiritual, cujo fim é fornecer pão de espírito aos sócios em particular, e aos povos, em geral”. O grêmio foi formado por 20 sócios (padeiros), que adoraram nomes-de-guerra, e posteriormente, em 1894, houve uma reorganização, e entraram mais 14 membros. As reuniões eram chamadas de ‘fornadas’, onde os padeiros se juntavam para discutir literatura, para divulgar suas produções artísticas e literárias e para contar pilhérias. Eles publicaram um jornal intitulado O pão, que contou com 36 números, editados entre 1892 a 1896. A agitação que a Padaria provocou na cidade, tirando-a do marasmo, deve-se ao desejo de socializar a literatura. Os problemas que os padeiros discutiam em suas reuniões e no Jornal O Pão, passados 120 anos, infelizmente, continuam atuais: o descaso geral em relação à democratização da educação e da cultura, a dificuldades de obter livros de publicar suas produções literárias numa cidade sem leitores, a inexistência de políticas públicas de acesso aos livros. A Padaria Espiritual se notabilizou pela originalidade e pelo humor, pela difusão das estéticas literárias da época, pela divulgação das novidades culturais, científicas e políticas que ocorriam no Brasil e no estrangeiro, pelo lançamento e publicação de novos escritores, sobretudo, pela luta a favor do livro, da literatura e da leitura no Ceará.
*Síntese da Palestra proferida no IV Seminário de Bibliotecas Comunitárias do Jangada Literária (2016). 
https://www.jangadaliteraria.com/2016/09/seminario-jangada-2016.html

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